“A censura teve passagens na vida do cinema brasileiro e na minha. Brasília era uma tortura para os cineastas. (…)Mas, paradoxalmente, tenho saudades do regime militar, com censura e tudo. Fica difícil entender a minha visão como cineasta com relação ao período militar, mas foi uma época em que o cinema brasileiro tinha vida. Não desejo a volta de um regime militar nem tenho saudades de nenhum tipo de arbítrio, mas com relação ao cinema tenho minhas saudades.”“Numa dessas viagens, rumo ao Uruguai, estava namorando uma aeromoça. Ao entrar no avião, um DC8, dei de cara com ela. Que surpresa! Refeição e serviço de bordo encerrados, fomos para o fundo da aeronave. Meio que escondido dentro do possível em um avião, comecei a abraçá-la e beijá-la.”“… eu tinha ido procurar Khoury para pedir uma participação no filme. Durante o início das filmagens, conversei com a Norma e ela disse: “Passa amanhã no meu camarim que o papel vai ser seu, Cardoso.” No outro dia, fui. Bati na porta do camarim e ela mandou entrar. Levei um susto. A Norma, que na época era uma grande deusa do cinema, estava completamente nua.”“José Ermírio de Moraes Filho perguntou se os filmes nacionais estavam dando dinheiro. Afirmei que “alguns”, mas disse que o meu daria, sem sombra de dúvidas. Estava convicto. Perguntou o que eu poderia deixar como garantia se entrasse com 40% do orçamento. Disse que nada, tinha um limitado apartamento na Avenida São João, com mulher e filho dentro, e um Fusca; não podia deixá-los como garantia.”“Enquanto amigos saíam com mulheres badaladas, em grandes noitadas, gastando em carrões e festas caríssimas, usando drogas pesadas (perdi uns dez amigos nessas condições), pegava todo o meu dinheiro e empregava em novos equipamentos de cinema, aplicava em imóveis na capital paulista e enviava sempre um pouco para meu pai levantar casas populares”.““19 mulheres e um homem”. Seriam dezenove universitárias alugando um ônibus para levá-las ao Paraguai e o motorista do veículo: eu, pois não poderia perder essa chance! Deu certo. Mas, na realidade, só apareceram dezoito mulheres no primeiro dia de filmagem. Uma faltou. Como o filme e a viagem começariam ali, tive que encontrar uma saída para consertar a situação. Filmei-as, uma a uma, descendo do ônibus num determinado ponto das filmagens. Ao descer a décima-sétima, coloquei a câmera no interior do ônibus e uma das atrizes que havia descido no início trocou de roupa, mudou o penteado e, de costas, desceu novamente, dando a impressão de que era uma outra personagem. Com tantas mulheres, parece que ninguém contou que as dezenove mulheres na verdade sempre foram dezoito. Alguém poderia ter pedido um desconto no ingresso.”“Ira (de Fustemberg) confidenciou-me que o presidente queria conhecê-la, indagou se achava que deveria ir. Afirmei que sim. (…) Divertimo-nos muito lendo o seu cartão romântico. Infelizmente, não podia levar-me. Tentou, mas a resposta foi negativa. O jantar teria que ser a dois. E lá se foi a princesa. O presidente colocou o seu carro, um Lincoln Continental, à disposição de Ira.”“Perguntei à moça (Vera Fischer) se gostaria de participar como atriz principal de um filme que começava a ser rodado. Interessou-se, mas confessou um pouco de insegurança para um primeiro trabalho. ‘Tenho receio de não saber nem falar.’ ‘Você fica pelada?’ ‘Fico.’ ‘Então, não precisa falar nada.’ Rimos e trocamos telefones. Voltei a São Paulo e falei com o Fauzi, que relutou muito até concordar. Entabulei o acerto por telefone e fui esperá-la no aeroporto de Congonhas. De longe vi aquela mulher linda, de minissaia, com mais de 1,70m de altura, descendo as escadas do Electra. Eu, com flores na mão e deslumbrado.“A Boca do Lixo ou a Boca do Cinema ficava perto da Estação da Luz e da antiga Rodoviária. O ambiente era repleto de botecos, hotéis de má aparência, tipos estranhos. Tudo contribuiu para sua denominação. Falavam Boca do Lixo pelo enorme número de prostitutas (muitas delas viraram atrizes coadjuvantes), meliantes e, na época, inocentes fumantes de baseado. No meio disso tudo, dezenas de companhias produtoras, exibidoras e distribuidoras uma ao lado das outra. Era uma Cinecitá tupiniquim, uma Via Veneto, um pedaço de Los Angeles.”“Quase não conseguia crer que estava em L.A., admirando os nomes e as mãos na calçada da fama. (…)A primeira peça: “Fortune and men’s eyes”, de John Herbert (não o nosso ator), estrelada por Sal Mineo, amigo íntimo de James Dean. Sonhava encenar a peça no Brasil, gostei da temática, cheirava a grandes resultados. Consegui falar com o ator, que me convidou para um drinque em seu apartamento, com parte da equipe. Foi desconcertante e apavorante ao ver no apartamento de Mineo, em tamanho natural e ao lado da sua cama, a imagem esculpida em gesso – ou coisa que o valha – de seu amigo inseparável James Dean.”“Almoçando com Fernanda Montenegro, disse a ela que numa noite quase não conseguira fazer a peça direito, pois o Paulo Autran e o Walmor Chagas estavam na platéia. Pior, haviam comprado os ingressos, embora tivesse dado autorização para cortesias. Fernanda: ‘Meu querido, o que os dois fazem você realmente não é capaz de fazer, mas a recíproca é verdadeira. Nós também não somos capazes de fazer o seu estilo. Todos nós mentimos, inventamos, temos nossos truques. Fique tranqüilo, você é um ótimo ator e ainda vai ter muito sucesso.’ ““Na madrugada dessa festa, uma famosa atriz, filha de uma outra, que considero minha amiga, chegou com o uísque na mão e outras cositas mais, alterada, e disse: ‘Não acredito que você, que se diz ecologista, voltado para a cultura e o esporte, esteja fazendo campanha para o ladrão do Paulo Maluf.’ Em vez de deixar barato, dar uma desculpa qualquer, o meu sangue sul-mato-grossense falou mais alto: ‘Escuta aqui, minha filha, o que eu faço e aquilo em que acredito interessa a mim, mas como você está me perguntando vou responder e você não vai gostar. Se o Maluf é ladrão ou não, é assunto que a justiça tem que resolver – o que acho difícil –, mas estou participando de alguns comícios em São Paulo, junto a outros atores, por pura convicção, ao passo que você está recebendo uma grana preta para apoiar o Tancredo Neves. Quem é mais honesto: você ou eu? Onde está sua ideologia? E não me vá dizer que estou mentindo, porque a mesma pessoa que contratou você também me ofereceu um bom cachê para estar ao lado de seu candidato.’ A atriz virou as costas e nunca mais nos falamos.”